O tio Quinta-Feira
José Fernandes Machado
Agosto de 1954
Eu sinto muito prazer
Em pintar ou descrever
Se posso, sei ou consigo,
Um retrato parecido
D'alguém vivo ou falecido
De quem sou ou fui amigo.
O meu tio da Benfeita,
De quem falar me deleita,
Por ser assim como é,
Nunca a outrem foi igual,
Nunca disse bem do mal
Nem negou a sua fé.
Também não sabe
mentir,
Mostrar-se triste ou fingir
Que sofre como os demais
O que no seu entender
Tinha ou tem de acontecer,
É destino dos mortais.
No que toca ao português,
A língua que o povo fez
E que julga falar bem,
Diz tudo como aprendeu
Quando com o rabo ao léu
Fugia de casa à mãe.
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Discute
com toda a gente,
Desde o sensato ao demente;
Desde o ministro ao porteiro,
Sente-se sempre à vontade,
Quando defende a verdade
Ou desanca um embusteiro.
Como outrora S.José,
Na oficina em Nazaré,
Ao lado do seu Jesus,
Também ele é carpinteiro
E trabalha o dia inteiro
Abraçado à sua cruz.
Ainda o Sol não alveja
Na torre da velha Igreja
Abrindo as portas ao dia,
Já o tio Quinta-Feira
Saíu de ao pé da lareira,
Onde há pouco se aquecia.
Já passando dos oitenta,
Vai buscar a ferramenta
Com que ganha o negro pão;
Vai cumprir as leis da vida
Que, apesar de tão comprida,
Jamais a passou em vão.
Com suas mãos calejadas,
Faz as obras desejadas
Com a maior perfeição;
Há-de ser sempre lembrado
Quando um dia for chamado
A cumprir outra missão.
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