Alberto Péssimo: Um pintor que gosta de árvores
Carlos
Dias, mais tarde Alberto Péssimo, veio de África,
dum paraíso perdido na costa oriental do continente,
a Ilha de Moçambique, onde nasceu a 18 de Fevereiro
de 1953. O seu gosto pela pintura e pela escultura
vem daí. Na Benfeita, em Coimbra e no Porto encontrou
depois, em etapas sucessivas da sua vida, a motivação
e a técnica para se tornar pintor. Desde o final do
curso na ESBAP, pintou muito e expôs relativamente
pouco.
Durante o Outono de 2016,
o prédio onde está situado o seu atelier entrou em
obras de ampliação. Foi necessário derrubar uma boa
parte dum pequeno bosque que lhe era contíguo, ficando
reduzido a meia dúzia de árvores. Por essa mesma altura,
Péssimo começou a pintar com tinta da China, em papel
de cenário, grandes painéis de árvores, talvez três
dezenas de obras. Na mesma altura pintou um cenário,
com o mesmo motivo, e de maior dimensão ainda, para
servir de cenário a Os Cegos, de Materlink,
levado à cena no Teatro Circo, em Braga. E já antes,
tinha pintado sobre pequenas placas de madeira o mesmo
tema, cerca de 50 pequenas placas, umas como aproveitamento
de restos de placas maiores, outras mandadas cortar
para o efeito. O tema das árvores não é novo nele.
São-lhe conhecidos trabalhos anteriores diversos,
nomeadamente os que deram origem à exposição Campos
de Batalha, em 2003.
Muitos pintores usaram
as árvores, sobretudo os troncos verticais para marcar
a composição do quadro (Cézanne, Gaugin…). Nestas
pinturas de Alberto Péssimo, porém, as árvores são
tudo. Elas ocupam todo o cenário, deixando apenas
espaço para alguns carreiros de luz.
Este regresso frequente
às árvores e à floresta estará ligado às paisagens
moçambicanas da infância mas, sobretudo, ao contexto
florestal da sua Benfeita, em particular à Mata da
Margaraça. Poderá também ter que ver com os incêndios
que, ano após ano, dizimam a floresta nacional.
Mas, do ponto de vista estético, não podemos deixar
de pensar num artista que Alberto Péssimo muito admira
e que o terá influenciado, ainda que remotamente:
Anselm Kiefer.
A floresta tem no nosso
imaginário cultural uma força tremenda. A floresta
é um espaço de medo e fantasia, uma fonte de lendas,
mitos, fábulas; um espaço propício para a invenção
de figuras fantásticas: fadas, faunos, gnomos, lobisomens,
monstros ferozes. Muitas das histórias infantis que
conhecemos têm na floresta o seu cenário habitual.
É reconhecida a influência das histórias dos Irmãos
Grimm na obra de Kiefer. A floresta agita e alimenta
a imaginação, sobretudo a imaginação dos escritores
e dos artistas. A floresta, com as suas forças tenebrosas,
situada fora dos lugares habitados, é um lugar de
solidão e medo, povoado de feras reais e seres inventados.
Húmida, espessa, coberta de névoa e musgos, torna-se
o cenário ideal para descrição de medos e aventuras.
A viagem de Dante na Divina Comédia começa
num bosque escuro: eu me encontrei por uma selva
escura (...) esta selva selvagem, áspera e forte.
E logo foi rodeado por três feras: a onça, o leão
e a loba.
Nuno Higino
|