JOSÉ  SIMÕES  DIAS

COMEMORAÇÕES DO PRIMEIRO CENTENÁRIO DA MORTE DE SIMÕES DIAS

Para informação dos nossos leitores, apresentamos, em seguida, uma série de artigos publicados no jornal "A Comarca de Arganil" por ocasião da segunda trasladação das ossadas do poeta Simões Dias e do seu tio, do jazigo de família do cemitério da Conchada, em Coimbra, para o cemitério da Corga, na Benfeita, e das comemorações do primeiro centenário da morte do poeta benfeitense.

Edição nº 10939, de 21/10/1999, pág.2

Simões Dias
repousa finalmente na sua aldeia

- Reportagem

Um século depois da morte do poeta José Simões Dias, as ossadas do autor das Peninsulares repousam finalmente no cemitério da sua terra natal - Benfeita, assim se cumprindo a vontade expressa quase à hora da morte.

Mercê dum conjunto de boas-vontades, mas essencialmente do nosso dedicado colaborador Carlos da Capela, foi feita a trasladação dos restos mortais de Simões Dias de Coimbra para a Benfeita e no sábado passado foi-lhe prestada justa homenagem, inclusive com a reedição das Peninsulares.

Muitas pessoas estiveram presentes, quer dos meios intelectuais, quer políticos, quer regionalistas, concentrando-se no largo do Areal para, no edifício da Junta de Freguesia, receberem o carimbo comemorativo do I Centenário da Morte de Simões Dias, aposto pelos CTT.

Seguiu-se depois para o cemitério da Corga, onde a bisneta D. Maria da Graça, inaugurou o mausoléu, no qual repousam os restos mortais do poeta e do Arcediago Manuel José Simões Dias.

Na circunstância, proferiu breves palavras o vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Arganil, Mário Vale, parente do poeta homenageado. Afirmou ser um privilégio para si representar ali a Câmara Municipal, que não podia alhear-se. E sendo vereador da Cultura, falava de um Homem da cultura, do prestígio, do poeta e pedagogo José Simões Dias. Cumpria-se o que o poeta pediu, nos versos que a seguir leu: "E quando eu morra, mísera vida, que não me deixem em terra alheia, fiquem ao menos os meus tristes ossos no cemitério da minha aldeia". E saíamos todos com a sensação de que cumprimos um dever, e, "quando se cumpre um dever, estamos todos de parabéns".

Em cortejo, tomou-se o rumo da sede da Liga de Melhoramentos, onde se realizou uma sessão solene, em cuja mesa da presidência tomaram lugar o dr. Mário Ruivo, adjunto do Governador Civil de Coimbra, eng. Rui Silva, presidente da Câmara Municipal de Arganil; presidente da Junta de Freguesia da Benfeita, António Martinho; representante da Liga de Melhoramentos da Freguesia, dr. Natalino Simões; presidente da direcção da Editorial Moura Pinto, dr. Ricardo Castanheira, também deputado da Assembleia da República e da Assembleia Municipal de Arganil; D. Maria da Graça Simões Dias e D. Alda Simões Dias, parentes do poeta homenageado; dr. Fernando Vale, também ligado à família; padre dr. António Dinis, pároco da freguesia; e Vítor Alves da Silva, representante da Casa da Comarca de Arganil.

Em lugar de destaque, os estandartes da Liga de Melhoramentos da Freguesia de Benfeita e das colectividades de Monte Frio, Pardieiros, Enxudro, Dreia, Sardal, além da Fundação Dr. Fausto Dias.

Antes da sessão solene, várias pessoas adquiriram o livro Peninsulares, nesta reedição comemorativa do centenário do autor, após o que Carlos Dias (Carlos da Capela) agradeceu aos benfeitenses e outras pessoas que colaboraram nas despesas e organização das comemorações, citando alguns nomes de especial relevo.

Peninsulares, edição comemorativaE continuando no uso da palavra, Carlos da Capela congratulou-se por aquele dia de festa, dizendo bem-haja ao nome de Simões Dias, que unia toda a comunidade em fraterno convívio. Assinalou a importância da reedição das Peninsulares, considerando que "o caminho deste livro é o caminho das escolas, e quando se querem currículos que reflictam a cor local, os saberes e sabores das comunidades, aí está este livro, que deverá ser de leitura e estudo das escolas da região". Acrescentando que este é o caminho fundamental do livro, representando a "grande importância que pomos no 1º centenário do nosso poeta", enfatizou que "os livros vivem com as pessoas, percorrem os anos e estes amadurecem, sabe-se melhor da sua qualidade, dos seus frutos, o aroma sentido, ainda que longínquo, ainda que esfumado pela distância (...). Ainda assim, podemos sentir neles o pulsar da inquietude e das angústias do Homem que os escreveu, que os viveu e que o inscreveu na sua contemporaneidade". E depois de outras considerações, afirmou que "as Peninsulares são o livro de referência deste beirão que sobe à Lomba do Bujo para cantar à Senhora das Necessidades e veste fato novo de barba feita vai a Arganil rezar à Senhora do Mont'Alto. É este beirão, é este benfeitense, este arganilense que se identifica com as Peninsulares, que à força de o cantar o tornou seu. É este livro o nosso livro. O livro do povo que (...) é o bálsamo das tristezas tão nossas e depositário das esperanças de um povo que vai construindo o futuro com sabedoria e com beleza".

O orador seguinte foi o presidente da Junta de Freguesia, António Martinho, que agradeceu as presenças naquele acto tão solene e importante, considerando que, "comemorar o centenário da morte de figura tão prestigiada como foi o poeta Simões Dias, é razão mais que suficiente para motivar a autarquia e a população em geral". E Simões Dias, pelo somatório de qualidades e por "ser apanágio desta freguesia saber honrar o nome dos seus antepassados, não podíamos deixar passar esta data sem esta comemoração". Aliás, acentuou, "homenagear o poeta Simões Dias não é mais do que homenagear todos os bons cidadãos da Beira Serra", honrando os benfeitenses e representando "um marco histórico na vida de cada um de nós e um forte testemunho legado às gerações vindouras".

Seguiu-se a intervenção do dr. Joaquim António dos Santos, do Porto, estudioso da obra, biografia e bibliografia do poeta Simões Dias, que produziu uma bela peça de oratória, panegírico maravilhoso de quem soube merecê-lo. Dada a sua importância e profundidade de análise e interpretação, viremos a publicá-lo em próxima edição, se não na totalidade, pelo menos no essencial.

Em nome da Casa da Comarca de Arganil, Vítor Alves da Silva associou-se à homenagem e teve palavras interessantes, considerando de parabéns os autarcas do concelho por estarem a incentivar as actividades culturais, sentindo-nos também todos nós de parabéns, e com multo gosto de pertencer a esta região da Beira Serra e a este concelho de Arganil. E em nome da Casa da Comarca de Arganil apresentava felicitações.

Convidado a falar em nome da comissão da Benfeita que colaborou nas comemorações, Carlos Alves Cerejeira afirmou estar a freguesia a viver "um dos mais altos momentos da sua História e todo o bom povo está de parabéns e de parabéns está todo o concelho de Arganil". A homenagem a Simões Dias - declarou - "é sinónimo de uma memória colectiva muito forte que nos enobrece a todos que aqui estamos e outros que, colaborando, não puderam estar presentes". Depois: "Uma homenagem, quando sentida, traduz sempre um sentimento de reconhecimento e gratidão a alguém que nos marcou profundamente (...), quer pelo seu prestígio, quer pelas suas ideias, quer pelas suas obras" - o que foi o caso de Simões Dias. Agradecimentos vários a quem colaborou e o reconhecimento de que "trasladar os restos mortais do poeta para a Benfeita não é mais do que cumprir o seu desejo" e que "o povo do concelho de Arganil cumpriu com muita honra e dignidade o seu dever", foram ainda palavras de Carlos Cerejeira.

Como presidente da direcção da Editorial Moura Pinto, o jovem deputado Ricardo Castanheira proferiu "palavras sentidas, porque este será seguramente um dia que ficará na história da Editorial", considerando importante a colaboração recebida de várias entidades, "sobretudo o povo da Benfeita, o povo de Arganil", sem a qual "este evento, obviamente, não teria a dignidade" que ali se podia vislumbrar. Devia-se, todavia, o evento "ao empenho, à dedicação, ao carinho e à abnegação" do Carlos Dias. Dissertou a seguir sobre a multifacetada personalidade de Simões Dias, "poeta e simultaneamente esteta, homem sensível e culto", político que teve acima de tudo a ideia do bem-comum, parlamentar ilustre e também jornalista. Sem passar, obviamente por cima do professor, daquele que foi um pedagogo. E ali se homenageavam aqueles que foram os filhos ilustres do concelho de Arganil, a construir novos e notáveis na pessoa de Simões Dias; e se a história terá passado ao lado do seu valor, nomeadamente a História de Literatura Portuguesa, nós não deixaremos que a História do concelho de Arganil lhe passe ao lado. Depois afirmaria que "a nossa presença, hoje e aqui é a prova actual de que este é um concelho que, para além das múltiplas potencialidades naturais, tem sobretudo potencialidades humanas. E são exactamente essas que importa promover" - afirmou, para depois garantir que a Editorial Moura Pinto está sempre disposta a colaborar na sua "obra de aculturação do concelho de Arganil e da região". Recordou depois que o eng. Amândio Galvão "teve oportunidade, em duas notáveis crónicas, em A Comarca de Arganil, de lançar um repto ao povo do concelho de Arganil que a melhor forma de homenagear Simões Dias era hoje associar-se a este evento". E a presença de tanta gente, era, no fundo, a prova de que "a memória de Simões Dias está bem viva, e que o concelho de Arganil, olhando para trás, é, na área cultural, muito importante".

Simões Dias, por Alberto PéssimoE em nome da Editorial Moura Pinto, Ricardo Castanheira entregaria, a seguir, ao presidente da Junta de Freguesia da Benfeita, um belo quadro pintado por Alberto Péssimo (Carlos da Capela e outros heterónimos à maneira de Pessoa) identificados na pessoa do professor Carlos Alberto Nunes Dias. Correspondendo à capa da nova edição das Peninsulares, podem os leitores aperceber-se do mérito da obra na gravura, a cores, que ilustra esta reportagem.

Indispensável nestas manifestações, o dr. Fernando Vale, nas suas "palavras simples", disse sentir a cerimónia com "profunda emoção" e com a "certeza de que para mim tem profundo significado", porque "estamos a homenagear alguém que merece homenagens de toda a natureza, pela grandeza da sua alma, pela grandeza da sua inteligência, pela lucidez, pela maneira como viu os problemas (...) homem que viu e reparou nas belezas da terra onde nasceu". Acrescentou que, sentindo essas belezas, "foi criando a sua alma", e por isso era de facto "um homem das Serras, um homem da sinceridade, porque na Serra os homens são sinceros na sua maneira de ser, na sua personalidade". Outros conceitos sobre a personalidade e a sinceridade dos Homens da Serra, convergentes na opinião do orador, para depois afirmar que ninguém pode viver em alegria sem o sentimento do amor fraternal. Acentuou, a finalizar que, quando nós, sinceramente, sentimos as nossas raízes, quando sentimos sinceramente o nosso pensamento, quando formos capazes, como o fez Simões Dias, transformar o pensamento em acção, teremos um grande País e uma grande Sociedade.

Bisneta do poeta Simões Dias, a srª D. Maria da Graça considerou que a Benfeita estava de parabéns porque "não esquece os seus filhos e uma terra que lembra os seus filhos está a preservar a sua identidade", dando aos mais novos "um sentimento de pertença a uma sociedade em que vale a pena participar". A sua gratidão por reconhecimento dos méritos de um familiar querido, enaltecendo a "grandeza de carácter do meu bisavô, a sua coragem na adversidade, a sua simplicidade, a sua escola de valores". Ainda viria a falar da crença do poeta em Deus, afirmada numa das suas poesias. Crença difícil nos tempos anticlericais de então, até porque (nota nossa) consta que Simões Dias terá feito parte da Maçonaria.

O presidente da Câmara Municipal de Arganil, eng. Rui Silva, depois das saudações habituais, proferiu o seguinte discurso:

Penso que ao invocar-se Simões Dias no centésimo aniversário da sua morte presta-se igual homenagem a numerosas personalidades do concelho que se distinguiram com nobreza nos mais diferentes domínios da vida social, profissional, política, cultural, desportiva, etc., etc.

A mãe terra beirã e arganilense honra-nos a todos com tamanha distinção, pejada de destacadas referências, de ontem, hoje e certamente no amanhã.

É razão de regozijo para qualquer arganilense, de prestígio e de vaidade.

Dr. José Simões Dias, benfeitense, afirmou-se e distinguiu-se como poeta, pedagogo e político. Propriedades que ressaltam da sua invulgar inteligência e do seu apurado sentido por valores superiores.

Foi igualmente um distinto deputado em cuja intervenção se lhe deve o contributo em obras importantíssimas para o concelho de Arganil.

Aos cem anos da sua morte cumpre-se o seu desígnio, o seu querer. Satisfaz-se também a vontade dos seus conterrâneos. Volta à Benfeita para junto dos benfeitenses.

Neste acto de grande significado envolvem-se a população, a Liga de Melhoramentos, a Editorial Moura Pinto, a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal.

Para um homem cuja vida e obra se reveste duma grande riqueza que honra o concelho.

Será no todo sempre uma glória dos benfeitenses o dos arganilenses.

Encerrou a sessão o dr. Mário Ruivo, representante do Governador Civil, dizendo da satisfação de estar presente e afirmando que a evocação do poeta é urna boa causa para redescobrir o imaginário fazedor de sonhos. E nem sempre a memória se perde no tempo nem o tempo é responsável pela falta de oportunidades para fazermos mais por aqueles que souberam distinguir-se. Mas, "ao lembrar o poeta Simões Dias, quero manifestar a devida homenagem a quem soube escutar as emoções de cada homem num Universo conturbado, de grandes mutações, que abalaram o último quartel do século XIX. A melhor forma de perpetuar o seu nome é descobrir a sua obra, lê-la e divulgá-la". E terminou com congratulações por estar entre gentes várias, nomeadamente democratas.

Seguiu-se um breve espaço cultural, com canções e poemas.

O belo local da Senhora das Necessidades foi finalmente palco de agradável convívio gastronómico.

(imagens de V.Quaresma)

Edição nº 10942, de 28/10/1999, pág.5

Simões Dias (1)

- Por dr. JOAQUIM ANTÓNIO DOS SANTOS

Encontramo-nos aqui hoje para homenagear o poeta, professor, jornalista, pedagogo, hispanófilo, crítico literário, orador político, e o Homem... um homem que se definia a si próprio como um «João Ninguém». Um homem cuja existência foi «gasta sobre os livros, desamparada de protecções e raro alumiada pelos furtivos clarões da alegria e da fortuna». Um homem de quem o padre Henrique d'Andrade, seu primeiro biógrafo, afirmou que «tinha apenas 14 anos e a partir daqui nunca mais se alimentou de pão ocioso, porque da leccionação particular colhia os meios de subsistência», e que desde os dezassete anos vive «exclusivamente da pena e da palavra», que publica o seu primeiro livro de poesia aos dezanove anos, que é um poeta reconhecido e brilhante aos vinte e cinco e que com trinta e dois anos decide, confessando-o no prólogo da reedição de 1876 das suas «Peninsulares», serem aqueles os seus últimos versos. Um homem que desde os 17 anos participa em mais de 26 jornais e revistas, fundando inclusivamente cinco deles. Um homem que pelos ideais democráticos adere ao Partido Progressista e inicia uma carreira política sendo eleito pelo círculo de Mangualde com a expressiva percentagem de cerca de 99% dos votos e que, ao longo de toda a sua vida, demonstrou um profundo interesse e preocupação pelo ensino e pelos jovens, tendo-se destacado, enquanto professor, na publicação, sempre com aprovação oficial, de vários manuais de crítica, história e estilística literárias e como interventor político defendendo intransigentemente e com rara visão o acesso da Juventude à educação e à «instrução popular», afirmando mesmo não ser «justo somente o que nos convém, também o povo tem direito à luz da ciência, como ao sol que Deus fez para todos». E o reconhecimento popular dispensado foi tal que nas considerações prévias à publicação oficial da sua intervenção, Simões Dias refere, a propósito de uma edição não autorizada do seu texto, que «...entregue a vendedores ambulantes, esgotou-se logo nas ruas, nas praças, nos quiosques e nos caminhos-de-ferro». E continua dizendo que «Este facto, que não é vulgar entre nós, e que na imaginação e candura de qualquer autor imodesto tomaria as proporções de um verdadeiro e lisonjeiro acontecimento literário, tem uma explicação muito simples: o público português chegou um dia a interessar-se pela causa da instrução nacional». Estamos aqui hoje, repetimos, para homenagear um homem, cidadão atento, que teve no povo o motor de toda a sua vida. Só para ele fazia sentido escrever, só nele bebia a inspiração, só dele se fez porta-estandarte, como veremos.

A reprodução fac-similada da 5ª edição das «Peninsulares» constitui um dos pontos altos no âmbito destas comemorações em homenagem à memória do poeta. Cumpre porém esclarecer que não se trata apenas da recolha de canções que, em 1870, vieram a lume numa publicação da Tipografia Democrática mas de uma colectânea da obra poética do autor. Sendo «As Peninsulares» por todos considerada a mais importante obra em verso e, dada a enorme proximidade intelectual e cultural do autor de «Espanha Moderna» relativamente ao país de Zorilla, Trueba e Aguilera, mantém-se o título ainda que o conteúdo, disposto de forma ligeiramente diversa ao longo das várias edições que foram vendo a luz do dia seja, já o dissemos, consideravelmente mais alargado que o da edição de 1870.

Em 1863, com dezanove anos de idade aquele a quem o Pinheiro Chagas apelidou de «primeiro guitarrista peninsular», dá à estampa a sua primeira obra lírica de nome «Relicário» ou «Mundo Interior». Obra, relativamente à qual Henrique d'Andrade afirma ser um «livro que produziu certa sensação por ser um protesto enérgico contra o romantismo em que ainda se inscrevia». No ano seguinte, aparece o poemeto «Sol a Sombra» e, em 1869, o poema herói-cómico «Hóstia de Oiro» onde o bardo «satirizava personagens do seu conhecimento», apresentando-se «...como um apóstolo social, digno de figurar ao lado dos que mais o são».

Logo a seguir, sai «As Peninsulares», reunindo canções que Simões Dias sub-titula de «meridionais», que tem a particularidade de, logo na página um, da primeira edição, ter a classificação de «poesia popular» e que mereceu por parte de Teófilo Braga a exclamação «amigo Simões Dias, encontraste o teu caminho». Em 1871, com 27 anos, o poeta dá ao mundo a sua última compilação em verso «Ruínas».

A obra que a Editorial Moura Pinto escolhe para celebrar este filho querido, entre os mais queridos da Benfeita é, justamente, a recolha definitiva e num volume, de todas as obras mencionadas. O trabalho de compilação é do próprio Simões Dias, como nos diz o Visconde de Sanches de Frias no estudo que publica na edição que hoje é fac-similada: «Bem fez, agora, Simões Dias em levar a efeito uma edição revista e arrumada por ele, definitiva, para que fanatismos de admiradores ou futuros empresários de minúcias abandonadas não venham dar nova disposição à sua obra, nem acrescentar-lhe, como se tem feito, em edições gananciosas, títulos, dizeres e composições completamente condenados pelo autor. Sabemos bem que fora deste livro, ao presente, não resta coisa nenhuma desperdiçada. É celeiro, de que não há grãos perdidos sem que o cultor os conheça».

Mas porquê, perguntar-nos-emos, tal ligação a Espanha a ponto de atribuir a toda a sua obra poética a designação de «Peninsulares»? As razões devem ser procuradas na própria essência da época em que o poeta viveu. Simões Dias nasce a 5 de Fevereiro de 1844, num período já posterior à idade de ouro do Romantismo. Romantismo que, como Vítor Manuel de Aguiar e Silva define, traduz uma revolta. E passo a citar: «Esta revolta exprime tanto a nostalgia de um paraíso perdido como o anseio utópico de um futuro mundo ideal. Pensamos ser a influência destes ideais que perpassa a vida e a obra de Simões Dias quer como jornalista, quer como poeta, como professor e mais tarde como político e que conduzem, afinal, à sua hispanofilia, consubstanciada na publicação de inúmeros artigos em que revela o seu interesse pela vivência cultural espanhola e pela sua difusão em Portugal. Não sendo historicamente um romântico, vive a influência que o Romantismo tem sobre ele, sentindo-se permanentemente fascinado por locais exóticos e longínquos. Como nos diz Maria Manuela Mariano na sua tese de licenciatura sobre o autor: «O Oriente, rico de luz e colorido, era naturalmente o mais indicado. Não hesitam pois, é lá que se deve ir, a essa fonte inesgotável de tesouros ainda desconhecidos. (...) Mas, nem todos os artistas podiam visitar esses longínquos países e lembraram-se então de recorrer à Espanha». Foi o caso do nosso homenageado. Mas, sendo as razões atrás apresentadas de peso, não são as únicas.

Muitos foram os literatos em Portugal que se interessaram por Espanha, mas apenas Simões Dias foi digno da atribuição de uma comenda da real ordem de Isabel a Católica pois, como disse na época A Ibérica, jornal de Madrid, «poucos como ele se têm ocupado em dar a conhecer no vizinho reino dos poetas e prosadores espanhóis, já a sua biografia, já os seus trabalhos». É que, de facto, Simões Dias via na evolução histórica dos dois países razões suficientes e semelhanças de monta quer pela proximidade "geográfica", quer pelo "passado", pelas "tradições", pelos "costumes", e até pela "índole" para que se vivesse mais de mãos dadas do que de costas voltadas. Dando, porém, a última palavra ao poeta ficaremos sem dúvidas quanto às razões da atribuição do nome à sua colectânea: «A poesia da península é tão uniforme, são tão irmãos estes dois povos que a cultiva, que julgámos de necessidade deixar voar o pensamento por toda ela e como que reunir no mesmo feixe as mais aromáticas flores colhidas em seus vergéis literários. A guitarra de Almaviva no braço de Salamanquino, mal poderá soar em Espanha que se não oiça em Portugal. É esta a razão do título».

(Na homenagem a Simões Dias, a 16 de Outubro de 1999)

Edição nº 10943, de 04/10/1999, pág.3

Simões Dias (2)

- Por dr. JOAQUIM ANTÓNIO DOS SANTOS

Muitos são os temas que serviram de pano de fundo ao génio poético daquele a quem Camilo se referiu como um dos pouquíssimos que guardava no pequeno raio das suas estantes consagrado aos bons.

Começamos por abordar a temática do amor, que ocupa, sem dúvida alguma, um lugar privilegiado na sua obra. Sobretudo é recorrente uma tendência para o amor sofrido e cruel cujas penas são causadas pela indiferença da mulher amada, como acontece em «Ilusões»:

Figurei-te no altar de uma esperança,
Como se mão profana ali não fosse
Tocar-te, pomba ideal!
Não me saía nunca da lembrança
O teu sorriso, tão sereno e doce,
Sorriso sem igual!

Agora trevas, trevas, trevas,
Que outra coisa não sei o que é a vida
Para quem não vê luz!
Nem tu, por mais que faças, já me elevas,
A não ser ao calvário onde erguida
Campeia a minha cruz!

Ingénua crença a minha! Eu que julgava
Que nunca o vento adverso apagaria
A luz de tanto amor,
Porquanto era essa luz que me guiava
Na estrada que, sorrindo, percorria
Sem sombra de temor;

Desfaz-se no ar à sombra a luz da aurora,
Desfaz-se no ar a névoa prenhe d'água
Que no monte esvoaça!
Tudo se apaga e some e se evapora...
Só esta imensa e incomparável mágoa,
Só esta dor não passa!

Outro dos aspectos mais significativos da obra de Simões Dias é a amarga desilusão pela passagem neste vale de lágrimas e que se encontra metrificada em «Lacrimae Rerum»:

Eu venho a sós contigo, ó noite escura,
No teu seio chorar minha tristeza,
Até que se abra, enfim, a sepultura!

Mas qualquer luz que eu veja em céu nublado,
Se me ponho a fixar os olhos nela,
Subitamente em trevas se há mudado!
Como foge dos lábios da donzela
Um ai que se desfaz subitamente,
Assim me foge a mim a esperança bela!

Pobre de quem não tem quem lhe minore
O amargo padecer — outra ventura,
A não ser uma lágrima que chore
No teu seio de horror, ó noite escura!

Parece-nos, porém, que o tema central de toda a poesia de Simões Dias é o Povo. Mesmo quando o assunto primeiro de um poema não tem um carácter eminentemente social como acontece, por exemplo, com «O Moribundo», «canção popularizada pelos cegos da Beira», nos apercebemos que, não obstante estarmos perante um poema construído em verso de dez sílabas, heróico, erudito, o ritmo transforma-o numa composição muito leve, muito rápida, como de uma cantiga se tratando, tornando-a muito popular e fácil de reter na memória. Reza assim:

Da vida vai findar o meu degredo,
E não mais te verei, sonhado amor!
Nunca mais, nunca mais, teu rosto ledo
Virá lembrar-me a primavera em flor!

Nem sequer levo o abraço da partida,
Pomba de neve que eu do peito amei!
Mal sabes tu que, ao despedir da vida,
Me está lembrando o amor que te votei!

Pudesse ao menos, ver-te junto ao leito,
Dizer-te o que este amor por ti me diz!
Pudesse ainda aconchegar-te ao peito...
Depois, meus Deus, que morte tão feliz!

Por outro lado, veja-se como na poesia «A Noite de Natal», é feita uma clara colagem a ambientes populares por troca com o natural eruditismo do poeta, colagem essa que se faz tanto pela opção do verso de sete sílabas, o das quadras populares, como pela própria escolha vocabular que levou Simões Dias a dizer que «Nem sempre afinámos a lira pelas tonadilhas populares, é verdade; mas em compensação aproximámos a estrofe, quanto possível, da ideia do povo...»

Tangedores de viola,
De pandeiro e tamboril,
Tomai vós a minha lira,
E dai-me o vosso arrabil!

Outro exemplo deste traço mais popular na poesia de Simões Dias é «Feira Franca»:

Naquele escuro recinto,
Cheio de fumo e calor,
Trocam-se copos d'absinto,
Em plena feira d'amor!

É uma alfurja a taberna;
Em vez da réstia do luar,
Tímida e escassa lanterna
Balanceia-se no ar.

«Margarida, Margarida,
Ao nosso amor bebe lá!
São dois dias esta vida,
Para amanhã Deus dará!

«Tange-me nessa guitarra
Alguma alegre canção;
Bem vãs que o sumo da parra
Não faz mal ao coração!

«Onde não chegue o alarido
Dos filhos e da mulher,
Já que fui tão mal nascido,
A cantar quero morrer!»

E então Margarida à toa,
Requebrando a voz e o olhar,
Ao som da guitarra entoa
As trovas do lupanar.

E enquanto ali se consome
A minguada féria, além
Morrem crianças, à fome,
Nos braços da aflita mãe!

Trata-se de uma composição que evidencia, de forma inequívoca, convicções que percorrem a sua vida e obra e que tal como as que estão expressas nos exemplos da ode «Aos Pequeninos» deixam adivinhar o político que mais tarde se viria a revelar:

Aos pobres e aos famintos
Dareis lar e agasalho,
E a quem vos peça esmola
Dareis pão e trabalho.

Porque o trabalho honesto,
Se acaso o não sabeis,
Dá paz, ventura e glória
E o mais que desejeis.

Ou os da composição cujo título mostra logo o carácter social que lhe está subjacente «A um emigrado»:

Joguete em mãos do mísero destino,
Bem te vejo nos olhos a ansiedade
De quem procura, errante peregrino,
Em terra estranha o sol da liberdade.

Terra d'irmãos por todos se reparte,
Aqui não entra o esbirro vil que espreita;
Entra sem medo, sacerdote da arte,
Que a nossa terra as artes não enjeita!

(Na homenagem a Simões Dias, a 16 de Outubro de 1999)

Edição nº 10944, de 04/11/1999, pág.5

Simões Dias (3)

- Por dr. JOAQUIM ANTÓNIO DOS SANTOS

Não podemos deixar de referir a explícita condenação à guerra que Simões Dias faz. Ele, de quem Henrique d'Andrade dissera que «Guerra tem ele feito; mas guerra santa, guerra pacífica, destas guerras que deixam atrás de si uma esteira, a de luz, em meio das noites do crime», condena veementemente «aquela calamidade composta de todas as calamidades», na ode «Imposto de Sangue»:

Meu filho será possível
Que te levem para a guerra,
E nos ermos desta serra
Me deixem ficar aqui,
Morrendo de saudades
Sempre a lembrar-me de ti,
De ti, meu único amparo,
Que aos meus seios te criei?
Oh! Se em nome da lei te levam,
Maldita seja essa lei!
«Senhora manda quem pode;
Cumprimos ordens d'el-rei!»

Mentis! Quem mandar podia
Que duma fraca mulher
Já velha quase a morrer,
Incapaz de resistir,
Viésseis zombar? Senhores,
Tal não pode permitir
Um rei que também tem filhos!
Vós sois a maldita grei
Que só prende quem não pode
Comprar com dinheiro a lei!
«Calai-vos, mulher: não vedes
Que o mandam ordens d'el-rei?»

Finalmente, é imprescindível dar conta de um dos mais sublimes poemas de Simões Dias. Trata-se de «Portugal velho». Aí, o poeta mostra toda a sua erudição e a influência do mestre Luís de Camões. Com passagens a sugerir a epopeia maior do povo português, quer na forma, quer na sintaxe, esta composição em oitavas, de verso decassílabo e inteiro, com rima cruzada nos quatro primeiros versos e interpolada nos quatro últimos apresenta uma visão assaz pessimista de Portugal. Da análise interessantíssima que se poderia fazer, queremos destacar, uma vez mais, a preocupação de índole social que perpassa o poema e a forma como, com uma notável economia de palavras, o poeta mostra o estado social, económico e cultural do país em meados do século passado e que a estrofe que se segue resume de forma notável:

Morre de fome o exausto proletário
Às portas da oficina sem trabalho;
Quantas vezes cobiça um vil sudário
O mendigo sem lar nem agasalho?
Falta na mesa o pão quotidiano,
Na sacola do pobre o pão da esmola;
E ao passo que se extingue a luz na escola,
Vão as trevas afluindo d'ano em ano!

Terminamos esta abordagem em traços breves, mas que, juntos, pensamos, nos podem dar um retrato do Homem que nos reúne a todos aqui hoje. Referiu o dr. Luís Vale, na sua conferência de 1995, que «É por tudo isto — e talvez só por isto — que me custa verificar que Simões Dias persiste na memória dos leitores da literatura como um nome desbotado junto dos grandes nomes do seu tempo; a meia página com que os livros da especialidade o liquidam é, possivelmente, apertada demais para a sua obra; para o seu coração de certeza». Serve, porém, a reedição da obra completa do pai das Peninsulares, ainda que vastas outras razões não lhe encontrássemos, para ajudar a que esta tendência se inverta mas, e concluo, mais que todas as páginas que os historiadores possam votar a um autor, melhor que as melhores críticas que os mais conceituados analistas possam fazer a um poeta, é ver-se que o povo, do Minho ao Algarve, das Beiras à Estremadura, cem anos volvidos sobre a sua morte, tem perpetuados, não só na memória mas também e sobretudo na alma, cantando-os, como seus, em festas e romarias, os versos que Simões Dias lhes legou. Poderá, porventura, haver maior imortalidade do que esta?

(Na homenagem a Simões Dias, a 16 de Outubro de 1999)

Edição nº 10948, de 13/11/1999, págs. 1 e 5

Ecos do Centenário de Simões Dias

- Por AMÂNDIO GALVÃO

Nesta crónica — consagrada inteiramente à Comemoração do Primeiro Centenário da Morte de Simões Dias (acontecimento que, como é sabido, teve lugar no passado dia 16 na Benfeita) — importa que o leitor tenha em conta, desde já, o seguinte:

A Comemoração constituiu, em meu modo de ver, um êxito algo surpreendente: pela inteligência da concepção do programa; pela qualidade da realização das cerimónias e pela aderência do público, que foi numeroso e interessado. Assim sendo, natural seria que me fosse referir aqui a todos esses aspectos em pormenor; não o farei, todavia, por me parecer que a imprensa local, em devido tempo, tanto no período que dedicou à preparação do evento como na reportagem que fez do mesmo, a seguir, disse o bastante para que me dispense agora de voltar aos aspectos ali abordados. Desta forma, evitarei repetições escusadas e pouparei tempo ao leitor.

Vou fazer, no entanto, uma excepção, relativamente ao conteúdo do programa, apenas para sublinhar de forma esquemática, aqueles que foram, para mim, os pontos mais altos da Comemoração, a saber: no cemitério da Corga, o descerramento do cofre com os restos mortais de Simões Dias e, em simultâneo, inauguração do arranjo arquitectónico, que integra o mesmo — arranjo particularmente feliz, do arquitecto Jorge Gonçalves, do Porto. A cerimónia teve palavras de Mário Vale, na qualidade de vereador da Cultura da Câmara Municipal de Arganil, e de familiar do poeta; durante a sessão solene que se seguiu (na sede da Liga de Melhoramentos da Benfeita): apresentação ao público das Peninsulares, de Simões Dias — livro de há muito esgotado — feita por Carlos da Capela, com judiciosas considerações sobre a obra, o autor e o destino mais recomendável da nova edição, a qual foi editorialmente enriquecida com um formosa capa, reproduzindo um quadro do pintor Alberto Péssimo; e o trabalho ensaístico, de fundo, sobre a obra literária de Simões Dias, apresentado pelo dr. Joaquim António dos Santos, do Porto; seguiram-se vários discursos: de António Martinho, presidente da Junta de Freguesia de Benfeita; de Vítor Alves da Silva, da Casa da Comarca de Arganil, de Lisboa; de Carlos Cerejeira, da «Comissão da Benfeita»; do dr. Ricardo Castanheira, presidente da Editorial Moura Pinto; do dr. Fernando Vale; do eng. Rui Silva, presidente da Câmara de Arganil; da srª D. Maria da Graça Simões Dias, que representava a família do homenageado; e do dr. Mário Ruivo, em representação do governador civil de Coimbra. De todas estas falas destacarei a do dr. Fernando Vale que relacionou a figura e a obra de Simões Dias com o meio em que nasceu, e a do dr. Ricardo Castanheira que, a propósito do homenageado, se referiu às potencialidades humanas do concelho de Arganil. Na segunda parte desta sessão foi ainda momento alto: a leitura de poesias de Simões Dias, seleccionadas e lidas pelo poeta Fernando Ferreira, com acompanhamento musical, à viola, de José Paulo, do Porto.

Dito isto, irei então debruçar-me sobre a forma como o público viveu este memorável encontro. É claro que há diferentes maneiras de marcar presença num acto desta natureza. Há quem vá por ver ir os outros, quem apareça só para ver o que se passa, quem não pretende mais que ser visto, etc., etc.. Mas há também quem procede de motu próprio, com plena consciência do que está a fazer, esquecendo-se de si, para pensar apenas no motivo da homenagem.

Ora, o que a este respeito me impressionou nas cerimónias da Benfeita, foi o ter ficado convencido, depois do que pude observar, que, por assim dizer, toda a gente que ali se deslocou no dia 16, o fez realmente por imperativo de consciência, sem alardes, a fim de, simplesmente, afirmar com a sua presença o respeito e a admiração que nutre pela memória de Simões Dias. E este não foi certamente o aspecto que menos contribuiu para que as cerimónias tivessem atingido tão elevado grau de dignidade.

Esta homenagem ficou a dever-se a (mais) uma iniciativa da Editorial Moura Pinto, entidade, como é sabido, sediada em Côja e orientada para o fomento da animação cultural na sua região, embora com especial incidência, como é compreensível, no seu próprio concelho, que é o de Arganil, podendo a sua actividade, em princípio, recair em qualquer área da cultura.

Só que, para mim, uma estrutura desta natureza apenas merece o nobre qualificativo de «cultural» quando, a par da sua finalidade específica, não esquece uma outra finalidade superior, complementar daquela: a de promover, simultaneamente, a cultura espiritual das pessoas envolvidas nas suas iniciativas; dito doutra maneira: quando orienta as suas actividades de modo a contribuir para o enriquecimento espiritual de quem nelas participa.

Pois muito bem, o caso da última homenagem à memória de Simões Dias, na forma como foi concebida e organizada e no resultado prático que alcançou em termos de participação humana, parece-me exemplificar, a primor, uma iniciativa em que ressalta a característica que atrás apontei.

Até a memória de uma figura com a projecção pública que Simões Dias alcançou não está livre do efeito desgastante do tempo. Na vila de Arganil, por exemplo, a praça principal da terra ostenta o nome de Praça Simões Dias. Todavia, cem anos após a morte do homenageado, quantos serão os moradores que desconhecem quem foi, de facto, Simões Dias? Provavelmente, a maioria! Assim sendo, entendeu a Moura Pinto — e bem, em meu modo de ver — celebrar o centenário daquela morte fazendo preceder a data da celebração de razoável período de esclarecimento em que, através da imprensa local, foi recordando, a pouco e pouco, os traços principais da figura e da obra do homenageado.

E assim conseguiu a Editorial que a sua mensagem atingisse muitos arganilenses (da vila e de fora) que vivem em condições de se poderem interessar por assuntos desta natureza. Mais: conseguiu, presumivelmente, suscitar nelas, mercê da informação que lhes facultou, verdadeira admiração pela memória de Simões Dias. Ora isto é muito importante pelo que representa como enriquecimento espiritual desses arganilenses.

Com efeito, admirar sinceramente uma coisa digna de o ser (neste caso, a figura e a obra dum nobre cidadão e consumado poeta) é combater ao mesmo tempo a tendência natural para ser egoísta, na medida em que se é levado a desviar a atenção de interesses pessoais que, por vezes, tão mesquinhos e absorventes são! Por outro lado, admirar a vida e a obra duma pessoa é, em si mesmo, praticar um acto de humildade, que vai contra a tendência natural para olhar os outros de cima para baixo. Em suma, admirar a vida e a obra de alguém é contribuir para o nosso próprio aperfeiçoamento interior, digamos: contribuir para embelezar a alma, o que significa abrir caminho para ser mais culto, espiritualmente falando.

Perante o apreciável número de pessoas que se deslocaram à Benfeita, e sobretudo, perante a seriedade e dignidade de que se revestiram as diferentes cerimónias, e o clima de inegável civismo que ali se gerou, sou tentado a concluir que a celebração do dia 16 (começando por constituir uma excelente prova de cultura, da parte de quem nela participou) atingiu um elevado nível de qualidade. Dir-se-ia que a graça da supremacia do espírito desceu sobre a Benfeita a fim de assinalar luminosamente a passagem da efeméride. Assim sendo, penso que os arganilenses — da vila e do concelho — devem estar orgulhosos pela forma francamente exemplar como foi celebrada a memória do seu poeta maior.

Dito isto, compreende-se que aproveite esta oportunidade para louvar a Editorial Moura Pinto, pela forma brilhante como levou a cabo o objectivo a que se propôs, aliás, com a ajuda empenhada da Câmara de Arganil, Junta de Freguesia da Benfeita, Liga de Melhoramentos da Benfeita, individualidades diversas (que contribuíram financeiramente) e imprensa local.

Aqui tem o leitor, registada de modo sucinto, a impressão que me deixou aquele que foi certamente um acontecimento merecedor de figurar, com destaque, na história social do concelho de Arganil.

Só mais algumas palavras para dois breves apontamentos, que penso inteiramente justificados.

Eis o primeiro. Reparei que nas cerimónias da Benfeita, participaram pessoas de diferentes formações, política e religiosa. Em todas pude adivinhar, no entanto, a mesma seriedade de propósito e o mesmo grau de empenhamento. Ah! Como foi exaltante presenciar um quadro humano assim! Bendita seja, pois, a cultura — verdadeiro garante do entendimento entre os homens!

O segundo apontamento diz respeito a Carlos da Capela, que foi corpo e alma de tudo aquilo! Não sei de quem se lhe possa comparar em fidelidade às origens (as suas estão na Benfeita) e amor à cultura. Poucos terão feito tanto pelo fomento da cultura no concelho de Arganil como Carlos Dias, mercê da largueza da sua visão, da determinação da sua vontade e da riqueza dos seus vários talentos, de intelectual e de artista. Arganil e o seu concelho devem-lhe uma enorme gratidão. Não regateamos, pois, simpatia à sua pessoa, respeito ao seu trabalho e amor à sua obra.

AMÂNDIO GALVÃO

Com a apresentação desta página quisemos trazer ao conhecimento do estimado leitor alguns textos que foram publicados na imprensa regional, por ocasião das comemorações do primeiro centenário da morte do estimado poeta benfeitense, embora possamos ter algumas reservas acerca de algumas afirmações e discordar de, ou mesmo repudiar, alguns pareceres neles incluídos.

Vivaldo Quaresma

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