POETAS  DA  NOSSA  TERRA

FERNANDO FERREIRA

— Às três maravilhosas mulheres da minha vida...

PRIMEIRA MULHER

uvindo o chilrear de um passarinho
Num hino à Primavera que já vem,
Eu ouço alguém cantar, falar baixinho...
És tu quem ouço, Mãe.

Se olhar o céu sem fim, no firmarnento,
Duas estrelas vejo no Além...
São dois olhos que vêem meu sentimento.
São os teus olhos, Mãe.

Quando rompe sublime a alvorada,
Num riso aberto à vida que contém,
És tu que ris em franca gargalhada.
É o teu riso, Mãe.

Bendito seja Deus, nosso Senhor,
Que me doou a mim tão puro bem.
Bendita sejas tu e o teu amor.
Bendita sejas, Mãe.

SEGUNDA MULHER

Companheira
que me acompanha há anos nesta lida
não é ,"minha" mulher
— que nada é meu!
Detém na vida a sua própria vida
a vida que escolheu.
Tomámo-nos de amor
e aceitámos mutuamente um compromisso
de nos ampararmos na alegria e na dor
e sermos um para o outro,
só por isso.
E porque Amor é fogo
que em labaredas queima,
que nele se ateie a ternura e o carinho
que sentimos
e unidos prossigamos o caminho
na força intensa de quem assim se ama.
E tarde o dia que a morte traz consigo
para que tarde a morte nos separe
e já que não posso amor viver contigo,
eternamente amor para te beijar,
que quando enfim chegar esse tal dia
em que páre de bater meu coração
eu possa ter na minha a tua mão,
a tua mão pequena e tão macia,
tal como há anos meu amor a prendi,
no dia em que feliz te conheci.

TERCEIRA MULHER

Testamento sem notário

eixo-te, Filha,
tudo quanto tenho:
Ideias,
Pensamentos,
Ideais,
tudo o que a vida
neste mais e mais,
do dia-a-dia,
me permitiu sonhar.

Deixo-te papéis com versos alinhados
e neles as concepções,
os sentimentos,
as ilusões,
a fantasia,
que me animaram em toda a minha vida
a viver em cada dia,
um dia mais.

Deixo-te a visão do mundo que encontrei
quando nasci,
Um mundo igual ao que te dei
a ti,
onde pelo menos se pode ter esperança.
Deixo-te a minha alma de menino,
de criança,
a traquinar fingindo não ser eu.
Talvez, em suma,
não te deixe afinal coisa nenhuma,
a não ser
o tempo que percorre
entre o minuto em que se nasce
e o segundo em que se morre.

Deixo-te, sim,
o tesouro fabuloso que tu és
e quanto representas para mim.

Deixo-te,
enfim,
a recordação que tu irás guardar
de mim.

Fernando Ferreira
in: POEMAS, 1989

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